Um verso de poema infantil inglês, "Sugar anda spice and everything nice",* põe lado a lado especiarias e açúcar-um par culinário clássico que podemos apreciar em iguarias como torta de maçã e biscoitos de gengibre. Como as especiarias, o açúcar foi outrora um luxo só acessível aos ricos, usado como condimento em molhos para carne e peixe que hoje nos pareceriam mais salgados que doces. E, como as moléculas das especiarias, a moléculas do açúcar afetou o destino de países e continentes á medida que levou á a Revolução Industrial, transformando o comércio e as culturas no mundo inteiro.
A glicose é um importante componente da sacarose, a substância a que nos referimos quando falamos de açúcar. O açúcar tem nomes específicos segundo sua fonte, como açúcar de cana, açúcar de beterraba e açúcar de milho. Apresenta-se também em muitas variações: mascavo, branco, cristal, de confeiteiro, em rama, demerara. a molécula de glicose, presente em todos esses tipos de açúcar, é bastante pequena. Tem apenas seis átomos de carbono,seis de oxigênio e doze de hidrogênio: no total, o mesmo número de átomos encontrados na molécula responsável pelos sabores da noz-moscada e do cravo- da-índia. Mas, exatamente como nessas moléculas de condimentos, é o arranjo espacial dos átomos da moléculas de glicose( e de outros açucares) que resulta no sabor-um doce.
O açúcar pode ser extraído de muitas plantas; em regiões tropicais, é usualmente obtido da cana-de-açúcar, e em regiões temperadas, da beterraba. Segundo alguns, a cana-de-açúcar(Saccbarum offcinarum) é originária do pacífico sul; segundo outros, do sul da Índia. Seu cultivo espalhou-se pela Ásia e pelo Oriente médio e acabou por chegar á África do Norte e a Espanha.
O açucar cristalino extraído da cana chegou á Europa no século XIII,com a volta dos primeiros cruzados. Nos três séculos sequintes, continuou sendo um artigo exótico, tratado mais ou menos como as especiarias: o centro do comércio do açucar desenvolveu-se de iníicio em Veneza, com o florescente comércio de especiaria. O açucar era usado na medicina para disfarçar o gosto muitas vezes nauseante de outros ingredientes, para atuar como agente de ligação em medicamentos e como remédio em si mesmo.
Por volta do século XV, o açúcar passou a ser mais facilmente obtido na Europa, mas continuava caro. Um aumento da demanda do produto e preços mais baixos coincidiram com uma redução na oferta de mel, que havia sido anteriormente o agente adoçante usado na Europa e em grande parte do restante do mundo. No século XVI, o açúcar estava se tornando rapidamente o adoçante preferido das massas. Nos séculos XVII e XVIII, tornou-se ainda mais apreciado com a descoberta de modos de preservar frutas com açúcar e de preparar geleias e gelatinas. Em 1700, o consumo anual per capita estimado de açúcar era de cerca de 1,8kg; em 1780, havia se elevado para cerca de 5,5kg, e na década de 1790, estava em 7,2kg, grande parte disso provavelmente consumida nas bebidas que haviam se popularizado então há pouco tempo: o chá, o café e chocolate. O açúcar era usado também em guloseimas açucaradas: amêndoas e sementes confeitadas, marzipã, bolos e balas. De luxo, passara a gênero de primeira necessidade,e o consumo continuou a crescer ao longo do século XX.
Entre 1900 e 1964, a produção mundial de açúcar cresceu 700%, e muitos países desenvolvidos atingiram um consumo anual per capita de 45kg. Esse número reduziu-se um pouco nos últimos anos com o aumento do uso de adoçantes artificiais e da preocupação com dietas muito calórica.
ESCRAVIDÃO E CULTIVO DO AÇÚCAR
Não tivesse sido a demanda de açúcar, é provável que nosso mundo fosse muito diferente hoje. Afinal, foi o açúcar que estimulou o tráfico escravista, levando milhões de africanos negros para o Novo Mundo, e foram os lucros obtidos com ele que, no início do século XVIII, ajudaram a estimular o crescimento econômico na Europa. Os primeiros exploradores do Novo Mundo retornaram falando de terras tropicais que lhes haviam parecido ideais para o cultivo da cana-de-açúcar. Em muito pouco tempo, os europeus, ávidos por romper o monopólio do açúcar exercido pelo Oriente Médio, começaram a cultivar açúcar no Brasil e depois nas Índias Ocidentais. O cultivo da cana- de-açúcar exige muita mão-de-obra, e duas fontes possíveis de trabalhadores: populações nativas do Novo mundo (já dizimadas por doenças recém-introduzidas como a varíola, o sarampo e a malária) e empregados europeus contratados- não poderiam fornecer nem uma fração da força de trabalho necessária. Diante disso, os colonizadores do Novo Mundo voltaram os olhos para a Africa.
Até aquela época, o tráfico de escravos provenientes da áfrica ocidental estava basicamente limitado aos mercados domésticos de Portugal e Espanha, uma extensão do comércio transaariano da população moura em torno do Mediterrâneo.Mas a necessidade de braços no Novo Mundo fez aumentar drasticamente o que até então havia sido uma prática em pequena escala. A perspectiva da obtenção de grandes fortunas com o cultivo da cana de açúcar foi suficiente para levar a Inglaterra, a França, a Holanda, a Prússia, a Dinamarca e Suécia (e finalmente o Brasil e os Estados Unidos) a se tornarem parte de um imenso sistema que arrancou milhões de africanos de sua terras natal. A cana não foi o único produto cujo cultivo se assentou no trabalho escravo, mas provavelmente foi o mais importante.Segundo algumas estimativas, cerca de dois terços dos africanos no Novo Mundo trabalharam em plantações de cana-de-açúcar.
A primeira carga de açúcar cultivada por escravos nas Índias Ocidentais foi embarcada para a Europa em 1515, apenas 22 anos depois de Cristóvão Colombo ter introduzido, em sua segunda viagem, a cana- de-açúcar na ilha de Hispaniola. Em meados do século XVI, as colônias espanholas e portuguesas no Brasil, no México e em várias ilhas caribenhas estavam produzindo açúcar. Cerca de dez mil escravos por ano eram enviados da Africa para essas plantações. A partir do século XVII, as colônias inglesas, francesas e holandesas nas Índias Ocidentais passaram a produzir cana-de-açúcar também. A rápida expansão da demanda de açúcar, o caráter cada vez mais tecnológico do processamento do produto e o desenvolvimento de uma nova bebida alcoólica- o rum, a partir de subprodutos da refinação do açúcar- contribuíram para um aumento explosivo do número de pessoas levadas da África para trabalhar nos canaviais.
É impossível estabelecer os números exatos de escravos que foram embarcados em navios a vela na costa oeste da Africa e depois vendidos no Novo Mundo. Os registros são incompletos e possivelmente fraudulentos, refletindo tentativas de burlar as leis que tentavam, com atraso,melhorar as condições a bordo desses navios, regulando o número de escravos que podia ser transportado. Na década de1820, mais de 500 seres humanos ainda eram apinhados em navios negreiros com destino ao Brasil, num espaço de cerca de 150 metros quadrados por 90cm de altura. Alguns historiadores calculam que mais de 50 milhões de africanos foram enviados para as Américas ao longo dos três séculos e meio de tráfico escravista. Esse número não inclui os que devem ter sido mortos nas incursões de caça a escravos, os que pereceram na viagem do interior do continente até os litorais africanos e tampouco os que não sobreviveram aos horrores da viagem por mar, que veio a ser conhecida em inglês como the middle passage- a passagem do meio.
A expressão refere-se ao segundo lado do triângulo do tráfico, conhecido como o grande circuito. A primeira perna desse triângulo era a viagem da Europa á costa da Africa, sobretudo á costa oeste da Guiné, levando mercadorias industrializadas para trocar por escravos. A terceira perna era a passagem do Novo Mundo de volta á Europa. Nessa altura os navios negreiros já haviam trocado sua carga humana por minério e produtos das plantações, geralmente rum, algodão e tabaco. Cada perna do triângulo era imensamente lucrativa, em especial para os ingleses: no final do século XVIII, a Grã-Bretanha obtinha das Índias Ocidentais uma renda de valor muito maior que o resultante de seu comércio com todo o restante do mundo. O açúcar e seus produtos foram, de fato, a fonte do enorme aumento do capital e da rápida expansão econômica necessária para alimentar a Revolução Industrial britânica e mais tarde a francesa, no final do século XVIII e início do XIX.
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